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Opinião: 

Tinha este livro para ler à alguns anos, apaixonei-me por Philippe Claudel, ao ler "Almas Cinzentas", "A Neta do Senhor Linh" e "Desiso", a partir daí tudo o que se editou do autor eu adquiria sem querer saber sequer do que se tratava e por incrível que pareça só à pouco tempo descobri que este livro tinha a II Guerra Mundial como um dos panos de fundo.

 

Mas não foi por isso que peguei nele, depois de ter lido "A Morte de Ivan" confesso que fiquei melancólica e desejei ler algo que eu tivesse a certeza que iria adorar. Logo nas primeiras páginas tive a certeza de que tinha feito a escolha certa.

 

"Chamo-me Brodeck e não tive culpa de nada. 

O meu nome é Brodeck. 

Brodeck. 

Por favor, lembrem-se. 

Brodeck."

 

É complicado escrever sobre este livro, acho que nada conseguirá fazer justiça ao seu conteúdo. Só lendo "O Relatório de Brodeck" teremos realmente a noção de que este é mais um livro (injustamente) perdido, sem lhe darem o devido valor. 

 

Numa aldeia (que nunca sabemos o nome), temos a noção de que a guerra terminou há pouco mais de um ano, uma aldeia que fora bastante fustigada, assim como tantas outras, o que distingue essa aldeia de outras é que nenhum desconhecido havia aparecido nos últimos tempos, por isso quando um dia surge um forasteiro com os seus modos e hábitos esquisitos, toda a população fica em alerta. 

 

Desconhecemos o nome deste forasteiro e quais as suas verdadeiras intenções em se instalar na povoação, o que é certo é que este homem vê a sua vida em risco, quando expõe alguns dos seus desenhos, caricaturas que elaborou dos habitantes, só com a ajuda do seu hábito de observação, desenhos que não são bem aceites pelos retratados. 

 

Brodeck, o escrivão da aldeia, é um homem que (infelizmente) vê o destino desafiar a sua vida várias vezes, numa dessas vezes por causa de um simples naco de manteiga, parece surreal, mas por vezes, é nas pequenas coisas que a vida nos dá enormes lições. Será ele que vai deslindar a história da aldeia e dos seus místicos habitantes ao elaborar um relatório a pedido dos homens mais influentes da população. 

 

Mas Brodeck que desde o início afirma que nada tem a ver com o caso, decide não só elaborar um relatório, mas dois, um com a versão que todos querem ler e outro com a verdade que mantém escondido, o leitor vai ficando a par dos dois relatórios ao mesmo tempo, uma viagem não só por entre os habitantes da aldeia, mas também pelos meandros da sua própria vida. 

 

Brodeck, certamente ficará na minha memória, não porque ele implora, muito menos por piedade, mas porque realmente ele merece jamais ser esquecido. 

 

"Internaram-me longe, num lugar do qual se ausentara toda a humanidade e onde só restavam animais sem consciência de que haviam adquirido a aparência dos homens." 

 

"As pessoas falam muito e muitas vezes para não dizerem nada."

 

"A raposa é um animal curioso, sabes. Chamam-lhe matreira, mas na realidade é bem mais do que isso. Os homens sempre a detestaram, sem dúvida por se lhes assemelhar. Caça para se alimentar, mas também é capaz de matar unicamente por prazer."

 

"Habituamo-nos a tudo. Há pior do que o cheiro a merda. Há muitas coisas que não cheiram a nada, mas que apodrecem os sentidos, o coração e a alma sem dúvida mais do que todos os excrementos."

 

"Sei como o medo pode transformar um homem. 

Não o sabia, mas aprendi. No campo de concentração. Vi homens aos gritos, a bater com a cabeça contra as paredes de pedra, a lançarem-se sobre arames cortantes como lâminas. Vi-os defecar nas calças, até se esvaziarem completamente, vomitar, expulsar tudo o que continham de líquido, de humores, de gases. Vi alguns rezar e outros renegar o nome da Deus, cobri-lo de sânies e injúrias. Assisti mesmo à morte de homens. Morreu de medo, depois de ser escolhido ao acaso pelos guardas como o próximo a ser enforcado. E quando o guarda parou à sua frente e lhe disse, rindo: «Du», o homem permaneceu imóvel. O seu rosto não deixou transparecer nenhuma emoção, nenhuma perturbação, nenhum pensamento. No momento em que o guarda começou a erguer o bastão, o homem caiu redondo no chão, antes que o outro lhe tocasse. 

O campo de concentração ensinou-me este paradoxo: o homem é grande, mas nunca estamos à altura de nós mesmos. Esta impossibilidade é inerente à nossa natureza."

 

Passou a ser o livro mais sublinhado dos últimos tempos, decididamente será motivo mais do que suficiente para ser um favorito e um dia fazer uma releitura. 

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publicado às 18:30


5 comentários

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Olá Tânia,
Acho que não conheço o livro. Parece uma excelente leitura.
Já o adicionei à minha lista :)
Um beijinho
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Tânia Tanocas a 08.04.2018

Eu sou um pouco suspeita, pois adoro a escrita do autor, lembro-me que comprei o livro por menos de 5€ na feira do livro de Lisboa sem sequer ler a sinopse, mas jamais imaginei que tinha por ler um livro bastante intenso, o motivo para pegar nele é que li várias opiniões que referia o seu enquadramento no período da segunda guerra e isso despertou a minha atenção...
Tenho a certeza que irás gostar, mesmo que não adores, vai certamente chegar algo ao teu coração, pois é impossível alguém ficar indiferente ao relato de Brodeck...
Beijokas e boas leituras
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Anónimo a 07.08.2019

nÃO CONSIGO ACHAR O LIVRO EM NENHUM LUGAR EM PORTUGUES, ALGUÉMS SABE ONDE POSSO ENCONTRAR?
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Anónimo a 19.08.2019

Qualquer dos livros deste grande escritor francês, editados em Portugal, são algo de surpreendente, grandioso e não sei porquê, continua a não ser valorizado.

Um grande, enorme escritor, embora quase sempre melancólico, gostei de todos os livros que dele já li mas ALMAS CINZENTAS é um livro que não podem deixar de ler.
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ASeve a 19.08.2019

O Anónimo anterior sou eu

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