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Livros # Desafios Literários # Aquisições # Opiniões
Opinião:
Um livro de não ficção, que mais parece uma ficção de tão inusitado que é.
Passava 58 segundos da 1h23 da madrugada do dia 26 de Abril de 1986, iniciava-se a maior catástrofe nuclear da história, o maior desastre tecnológico do século XX, cujos efeitos ainda hoje são sentidos. O reactor n° 4 da central nuclear de Chernobyl era destruído após uma série de explosões, deixando um rasto (invisível) de destruição.
"No nosso solo já se encontravam dezenas de toneladas de césio, iodo, chumbo, zircónio, boro, uma quantidade desconhecida de plutónio (os reactores RBMK a urânio e grafite, de modelo usado em Chernobyl, produziam plutónio militar com que se fabricava as bombas atómicas) - no total uns quatrocentos e cinquenta tipos de radionuclídeos. A quantidade equivalia a trezentas e cinquenta bombas largadas sobre Hiroxima." Vassíli Nesterenko, antigo director do instituto de Energia Nuclear da Academia de Ciências da Bielorrússia
O comunismo russo ou ditadura socialista, queriam forçosamente ser pioneiros neste tipo de energia, eram tão sedentos de egocentrismo que descuidaram a precariedade do seu funcionamento e dos graves problemas de segurança da central nuclear, não esquecendo também o erro humano, que foi o maior dos culpados nesta tragédia, quer antes, durante e até depois.
"Os Japoneses demoraram doze anos até iniciar a operação deste tipo de infraestruturas, nós fazíamos o mesmo em dois ou três anos. A qualidade e a segurança de um obra especial eram iguais à de uma exploração pecuária. Às de um aviário! Quando faltava alguma coisa, descartava-se o projecto e fazia-se a substituição com o que estivesse à mão. Assim, o telhado da sala das máquinas foi coberto com betume. Foi esse betume que os bombeiros tiveram de apagar. Quem é que dirigia essa central nuclear? Na direcção não havia um único físico nuclear. Havia engenheiros electrotécnicos, engenheiros de turbinas, funcionários políticos, mas não havia um único especialista. Nem um único físico..."
Foi tão egoísta o heroísmo soviético que não soube proteger a sua população, lançado-a para uma emboscada em nome de sabe-se lá do quê e com a agravante de lançarem o engodo do dinheiro, o que há a temer do que não se vê ou sente, quando a recompensa é mais do que suficiente para alimentar a família durante meses...
Na era soviética, comunismo ou ditadura socialista, o lema das populações é dizerem "nós" e não "eu", só assim conseguimos, tentar, compreender as motivação que levaram as pessoas a alistar-se, voluntariar e acatar as ordens de trabalhos em zonas afectadas, sem qualquer tipo de protecção ou preocupação, cujos efeitos só surgiriam mais tarde.
"Está um tractor a lavrar. Pergunto ao funcionário do comité distrital do Partido que nos acompanha:
«O condutor está protegido pelo menos com máscara respiratória?»
«Não, trabalham sem máscaras.»
«Porquê, não as receberam?»
«Qual quê! Recebemos tantas, que vão durar até ao próximo século. Mas não as distribuímos. Para não criar pânico. Senão fogem todos! Vão-se embora daqui!»
«Mas que asneira andam vocês a fazer?»
«Para si é fácil falar, professor! Se for despedido, há-de encontrar outro trabalho. E eu, para onde vou?»
Mas que poder! O poder desmedido de um ser humano sobre outro ser humano. Isso já não é enganar, é travar uma guerra contra inocentes..." Vassíli Nesterenko, antigo director do instituto de Energia Nuclear da Academia de Ciências da Bielorrússia
O que fez a "amada" União Soviética, ou não, para proteger as suas populações, o ambiente, fauna e flora envolvente, os países (Escandinávia, Europa Central, Reino Unido, Grécia, etc) que foram atingidos pela nuvem reactora?!
Não são estas respostas que a autora Svetlana Alexievich quer ver respondidas, sobre o acontecimento em si já muito se escreveu, o objectivo deste livro é recolher o quotidiano dos sentimentos, dos pensamentos, das palavras, a vida de um dia comum das pessoas comuns.
A autora levou 20 ano a concluir esta obra, encontrou-se e falou com antigos trabalhadores da central nuclear, liquidadores, cientistas, médicos, soldados, cidadãos que residem ilegalmente na zona proibida de Chernobyl, crianças, pessoas comuns com tanto ainda por desabafar, tentou encontrar algum fundo de verdade, consolo e alguma compreensão nos relatos dos muitos anónimos (na altura) que desde o primeiro momento estiveram no teatro das operações e que desde essa data tiveram as suas vidas marcadas, não apenas por uma efeméride, mas por toda a sua existência.
Sem dúvida que este livro é um marco na nossa história, desde o prefácio de Paulo Moura (repórter), passando pela introdução histórica, o cunho pessoal da autora ao fazer um capítulo em que se auto denomina de "Uma Solidária Voz Humana" e depois culminando nos relatos impressionantes dos protagonistas.
Na era soviética, comunismo ou ditadura socialista, o lema das populações é dizerem "nós" e não "eu", só assim conseguimos, tentar, compreender as motivação que levaram as pessoas a alistar-se, voluntariar e acatar as ordens de trabalhos em zonas afectadas, sem qualquer tipo de protecção ou preocupação, cujos efeitos só surgiriam mais tarde.
Heróis ou Suicidas?!... É somente esta pergunta que predomina no leitor depois de terminar a leitura, fiquei com muitas questões, mas sem dúvida que esta questão vai durar para sempre na minha memória.
"Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazis destruíram 619 aldeias bielorrussas, juntamente com os seus habitantes. Em resultado de Chernobyl, o país perdeu 485 aldeias e povoações. Destes, 70 foram permanentemente soterrados. Durante a guerra, 1 em cada 4 bielorrussos foi morto; hoje em dia, 1 em cada 5 bielorrussos vive em terrenos contaminados. São 2,1 milhões de pessoas, das quais 700 000 são crianças."
"Uma ucraniana vende no mercado grandes maçãs vermelhas: «Quem quer maçãs? Maçãs de Chernobyl?» Alguém aconselha: «Ó mulher, não digas que são de Chernobyl, que ninguém tas compra.» «Não se preocupe! Então não compram! Há quem compre para a sogra, há quem compre para o chefe.»"
"Esta é a minha história... Contei-a... Porque comecei a fotografar?
Porque não tinha palavras que chegasse..." Víktor Latún, fotógrafo
"Percebi que só o tempo vivo tem um sentido... O nosso tempo vivo..." Valentin Borissévitch, antigo chefe do laboratório do instituto de Energia Nuclear da Academia de Ciências da Bielorrússia
"A arte é uma recordação. A recordação de que temos existido. Temo... Só temo que o medo na nossa vida substitua o amor..." Lília Kuzmenkova, professora e realizadora
NOTA: Tinha dado a esta leitura uma pontuação de 4 🌟, depois de fazer esta minha opinião, não me consegui conformar, por isso alterei a classificação para 5🌟. A autora, os protagonistas, os que sofreram, sofrem e ainda vão sofrer da consequência deste desastre nuclear merecem toda a minha (nossa) consideração e que todo o infortúnio de Chernobyl seja uma chamada de atenção para todos nós.